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Campanha mundial chama a atenção para estigmas e preconceitos que cercam o diagnóstico de câncer de próstata

Tratamento nos estágios iniciais da doença ajuda a reduzir a mortalidade; alterações no modo de urinar são primeiros sintomas

Doença comum e de diagnóstico precoce, o câncer de próstata tem um perigoso aliado: o silêncio. Reduzir os casos e diminuir a mortalidade passa, necessariamente, pelo tratamento nos estágios iniciais. Para a detecção, dois exames simples, disponíveis no Sistema Único de Saúde (SUS), são fundamentais: toque retal e sangue (antígeno prostático específico – PSA); porque, em geral, os sintomas aparecem em estágio avançado.

De acordo com os urologistas do Hospital Alberto Cavalcanti (HAC), – unidade oncológica do Complexo de Especialidades da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig) – a campanha mundial para a saúde do homem contribui para romper o silêncio e vencer os preconceitos “que rondam não apenas o câncer de próstata, mas muitas outras condições que afetam a saúde masculina desde os primeiros anos de vida até a terceira idade”, como explica Benjamim Godinho. “A ampla divulgação provoca um aumento da procura principalmente no mês de novembro”, completa o médico Rodrigo Abdo.

Sintomas

Quando o câncer de próstata apresenta sintomas na fase inicial, os mais comuns estão relacionados ao ato de urinar: dificuldade, demora para começar e terminar, presença de sangue, diminuição do jato e necessidade de urinar com mais frequência, durante o dia ou à noite.

Os médicos recomendam que os homens façam os exames a partir dos 50 anos de idade. Para quem possui pele negra (que tem duas vezes mais chances de desenvolver a doença) ou apresenta histórico de câncer de próstata na família, a indicação é a partir dos 45 anos.

O risco de desenvolver a doença aumenta com o avanço da idade. No Brasil, a cada dez homens diagnosticados, nove têm mais de 55 anos. Outro fator que pode contribuir para o aparecimento do câncer é o sobrepeso.

Casos

Estatística do Instituto Nacional de Câncer (Inca) mostra que a doença segue como o segundo tipo de câncer mais frequente em pessoas do sexo masculino. Somente neste ano, são esperados quase 70 mil novos casos no país; em 2019, cerca de 16 mil brasileiros perderam a vida pela doença. Em Minas Gerais, a previsão de casos, segundo o Inca, para o ano passado foi de 6.420. Para Belo Horizonte, a expectativa era de 1.270 novos diagnósticos positivos.

O câncer de próstata é tratável e apresenta índice de cura de 90% quando descoberto precocemente. Fazer com que os homens entendam e estejam dispostos a agir com base nesse princípio é um dos objetivos da campanha mundial para a saúde do homem.

Diagnóstico precoce

O mecânico industrial José Geraldo de Souza, de 55 anos, é um bom exemplo de que o diagnóstico precoce salva vidas. Ele iniciou os exames periódicos de PSA aos 38 anos, ainda que o preconizado seja aos 45 anos, já que pertence ao grupo de risco para a doença por ser negro. Em 2014, aos 48 anos, o PSA indicou alteração sugestiva de câncer e, no mesmo ano, por recomendação médica, fez cirurgia para a retirada da próstata.

A recuperação foi total. Nos últimos sete anos, ele tem sido acompanhado pelo médico Benjamim Godinho. “Nunca tive nenhum preconceito em relação ao exame de toque. Sempre busquei ler e me informar sobre o câncer de próstata, mas a conversa com o médico sempre foi mais importante para mim”, revela José Geraldo.

Ele conta que seus amigos e seu irmão buscaram atendimento médico depois da sua história bem sucedida de enfrentamento do câncer de próstata. “Meu cunhado descobriu a doença dois anos após o meu diagnóstico. Ele iniciou os exames para a detecção precoce também devido ao que aconteceu comigo. Pessoas que antes tinham preconceito mudaram a forma como viam a doença”, conta o mecânico industrial.

Pandemia

Devido à pandemia da covid-19, que mudou a realidade dos serviços em todo o mundo, o sistema de saúde no Brasil foi obrigado a se reorganizar e a suspender procedimentos e cirurgias eletivas, além de tratamentos oncológicos.

Em razão disso, o diagnóstico e o tratamento do câncer de próstata apresentaram reduções. A constatação é da Sociedade Brasileira de Urologia (SBU), a partir de dados do Ministério da Saúde, que registraram queda de 21,5% das cirurgias para retirada da próstata entre 2019 e 2020. Redução semelhante foi experimentada nas coletas do antígeno prostático específico (PSA), que caiu 27% no mesmo período.

No Hospital Alberto Cavalcanti (HAC), referência para o tratamento do câncer de próstata em Minas Gerais, os atendimentos também tiveram redução. “O fluxo de pacientes diminuiu muito durante a pandemia, devido ao temor das pessoas em serem contaminadas. Com a melhora dos índices nos casos de covid-19, a demanda tende a aumentar”, acredita o médico Rodrigo Abdo.

Benjamim Godinho ressalta, ainda, que os pacientes com câncer de próstata que demandavam cuidados mais próximos e regulares tiveram o atendimento retomado mais rapidamente. “Houve uma queda em relação ao número de pacientes atendidos em consulta de prevenção e seguimento pós-operatório, mas já percebemos uma forte tendência de retorno aos níveis pré-pandemia”, sublinha o médico.

O urologista destaca que, por ser um hospital de referência em Oncologia, o HAC garante ao paciente do SUS o acesso a profissionais altamente qualificados em uma estrutura capaz de promover um tratamento de excelência do câncer de próstata.

Consciência

Tanto Rodrigo Abdo quanto Benjamim Godinho notam, em sua rotina de atendimento, que os homens estão mais preocupados com a própria saúde. “Ao longo dos anos pudemos perceber um número cada vez maior de homens que nos procuram por decisão própria, convencidos de que a prevenção é algo extremamente importante e que não deve ser menosprezada por preconceitos ou questões culturais”, assegura Godinho.

Ainda segundo Godinho, “é cada vez menor o número de pacientes que procuram o urologista tardiamente, quando o melhor momento para o tratamento do câncer de próstata já passou”.

Autocuidado

A história do técnico de copiadora Marco Antônio dos Santos, de 63 anos, ilustra bem como o hábito do autocuidado, aliado à capacidade de falar abertamente sobre a doença, podem ser benéficos não somente para o indivíduo, como também para todos que com ele convivem.

Dos quatro irmãos, dois, além dele, foram diagnosticados com câncer de próstata. Seu irmão gêmeo desenvolveu a doença dois meses após o seu diagnóstico e ambos fizeram a cirurgia para a retirada da glândula. O mais velho, de 69 anos, não necessitou do procedimento.

O técnico de copiadora conta que, em março de 2019, houve alteração no seu exame de PSA, que indicou a presença do tumor. Marco foi encaminhado para o médico Rodrigo Abdo, que fez seu tratamento e a cirurgia.

“Eu sou um livro aberto. Falo para os meus amigos para estarem sempre ligados. Que é importante o acompanhamento médico para descobrir a doença no início. Fazer o exame de toque nunca foi um problema para mim. Sempre tem as piadinhas, mas todos fazem porque entendem a importância do exame”, conta Marco Antônio.

Compartilhamento de informações

O grupo no WhatsApp, criado por ele e formado por amigos da época em que serviu o Exército, se converteu numa espécie de plataforma que favorece a disseminação de informações sobre o câncer de próstata. “Quando entra o mês de novembro, eles perguntam (uns aos outros) se já levaram rosas para o médico”. A frase é uma forma descontraída de lembrar da importância dos exames para a detecção precoce da doença.

Quando alguém demonstra resistência em se consultar com um urologista, Marco Antônio pergunta de forma direta: “você quer viver mais ou quer morrer? Se não procurar o médico, não vai saber o que está acontecendo com você. Sobre o exame de toque, falo que é rápido e não é doloroso”, acrescenta.

Rodrigo Abdo lembra que o exemplo dado por amigos, parentes e vizinhos que enfrentam ou enfrentaram a doença é o que mais estimula os homens a procurar atendimento e a superar possíveis reservas em relação ao exame de toque.

Nova realidade

O aposentado Antônio Alves Nonato, de 73 anos, não tinha o hábito de consultar médicos e fazia exames apenas eventualmente. Após receber diagnóstico para o câncer de próstata e se submeter à cirurgia de extração em 2015, a forma como encarava o autocuidado mudou completamente.

Hoje, ele segue as orientações médicas e faz, anualmente, todos os exames recomendados, além de orientar o filho e os amigos sobre a importância da detecção precoce, principalmente quando se tem histórico familiar para a doença, como no seu caso. “Falo para todos do meu grupo de amigos sobre a importância dos exames. O que posso fazer para orientar, eu faço,” afirma.

Apoio

Benjamim Godinho acredita que o fato de os homens serem menos cuidadosos com a própria saúde é uma questão multifatorial. “Isso vai desde uma cultura que ainda hoje enxerga o cuidar como uma tarefa feminina a questões mais práticas, como dificuldade de acesso aos serviços de saúde e falta de unidades especificamente voltadas para o público masculino”, diz.

Para Rodrigo Abdo, o temor do diagnóstico de doenças incuráveis ou passíveis de causarem sequelas seria uma das causas para esse comportamento masculino. As mulheres exercem papel importante para a saúde dos homens. O urologista observa que muitas esposas e companheiras estimulam seus pares a procurarem atendimento médico.

Godinho tem percepção semelhante. “As mulheres sempre têm um papel significativo junto aos homens em todos os aspectos da vida. Ainda hoje, muitos homens só procuram o urologista por pressão da esposa, filha, irmã, namorada, pois são elas que mais se importam com esse cuidado preventivo”, destaca.

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